Pesquisar este blog

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Textos de Mahlou Damazio publicados


Cabelos brancos
Carnaval Virtual Real
O mundo das Les após os 50

Doce Ariana Capítulo II

A primeira. Signo: sagitário. Sagitário como Fabiana. E do mesmo dia de Fabiana! Maravilha. Alguém na casa dos quarenta, que era viúva da companheira. Ficara perdida no mundo durante seis anos. Depois voltara para a terra e estava tentando ser novamente. Arrisquei marcar um encontro. Ela aceitou e eu desapareci. Ia ser muito pesado para mim, pensei. Não saberia nem dizer olá... Encerrava-se assim minha primeira experiência no mundo do refugio digital.
Fabiana: signo – Sagitário. Vivi nosso tempo acreditando que a astrologia era magnífica. Sagitário e capricórnio existiam no mundo para desfrutarem de uma troca perfeita. Essa história de inferno astral era pura invenção de pessoas infelizes. Essa era a união das deusas. Tudo era perfeito. Tudo era amor. Fabiana não era virtual era real. Sempre foi real. Minha vida com Fabiana levou bem dezesseis anos. Esqueci todos os códigos de sedução extra-relacionamento. Minha vida era toda para ela. Fechei-me para o mundo. É que era muito bom estar no relacionamento. Dedicávamos nosso tempo e nossas vidas uma a outra. Não cabia ninguém mais. Agora, como Fabiana não existia mais em minha vida, eu me perguntava o que dizer ou como olhar para o novo. Será que teria paciência? Será que seria aceita? Como fazer amor? Como beijar? Como querer? E o mundo só na cobrança. Minha irmã Carmen não podia me ver que já vinha a pergunta se eu já estava namorando. Todos acreditam que você precisa ter a referência no outro para ser você. Se não houver o outro, você não é você. Já repararam que é comum as pessoas ficarem casando alguém com alguém? Final de novela é bem isso. Não pode sobrar personagem sozinho, pois do contrário a novela vira fracasso. E o público não aplaude.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Doce Ariana - Emoções Reais e Virtuais

Doce Ariana
Capítulo I
Não sei por que às vezes o barulho do mar é mais forte em relação ao barulho da onda anterior. Fico pensando se ele quer me dizer algo ou está bravo mesmo. Quero muito aprender sobre o mar. Estou tentando há um ano, desde o fatídico dia que a Fabiana me falou com voz certeira a palavra "acabou". Disse várias vezes para eu não ter dúvidas. Eu tentei discutir a relação, mas só vinha a palavra "acabou". Parecia criança quando aprende uma palavra. Uns dizem que eu fugi. Outros não dizem nada, mas o certo é que vim parar em um apartamento abandonado da minha família a beira do mar. É um local curioso. Durante 10 meses é uma cidade fantasma. Eu grito bem alto quando caminho a beira do mar e ninguém me escuta. Outro dia pensei ouvir a voz da Iemanjá me respondendo. Nos outros dois meses isto vira um vulcão furioso cuspindo gente de todas as idades, raça, credo, um verdadeiro final dos tempos. Não sobra nada nas lojas e mercados. Sobra muito coisa é no mar. Ele devolve tudo, não sei para quem. Ainda vou descobrir. Há muito tempo não morava sozinha. Muito tempo mesmo. Desde aquela fase de Rio de Janeiro que também foi dureza. Foram dois anos. Solidão total. Mas, daquela eu escapei. E dai tudo girou rapidamente, conheci Leila, signo de peixes, que foi uma paixão de derrubar avisos e placas. Como veio, partiu. Ficou uma louca amizade no lugar. Depois, aí sim, chegou Fabiana. Não parecia coisa para durar - durou e muito.
Tenho dois amigos que estão tentando me segurar desde aqueles dias que vivi morrendo de peninha de mim. Eles vieram me visitar e me disseram: "não, você não pode ficar assim tão sozinha. Tem que entrar em alguma rede virtual de relacionamentos". Eles fizeram questão de me enviar o link da comunidade que eles achavam muito segura. Obediente, entrei. Um verdadeiro aprendizado. Como se escolhe alguém para fazer amizade? Pela foto? São fotos verdadeiras? São pessoas reais? Minha dificuldade não é com a tecnologia. Em tempos de juventude fui programadora de computador de grande porte. Grande porte, não, imenso porte. Depois, passei por tudo, desde o início do pequeno porte até o minúsculo porte do Iphone. Estou chegando aos 60 anos. O que me assusta é o mundo virtual. Tento colocar que meus sonhos são virtuais também para me movimentar melhor nos refúgios cibernéticos. Nos meus sonhos o outro existe, mas não tão parecido com o real como no mundo virtual. Abstrair o outro é que é a minha dificuldade.
A pressão externa quando se termina um relacionamento é angustiante. Todos sabem de tudo e todos têm conselhos a dar. O cerne da questão da voz do povo é que eu tinha que arranjar uma namorada, seja lá quem fosse. O pior disso tudo, é que eu também comecei a acreditar nisso. Até meu amigo do planalto, o Caio, quando aparecia por aqui, dizia: "temos que desencalhar nossa amiga". Aí eu comecei a imaginar a minha namorada: seria Julia, sempre quis esse nome. Remetia a um filme que vi com Jane Fonda e Vanessa Redgrave. Não podia ser loira, queria um pouco mais para morena, assim com cabelos pretos e prateados. Prateados porque a minha Julia teria mais de 60 anos - sessenta e dois estavam de bom tamanho. Quanto à altura não tinha muitas exigências, podia ser alta, baixa, mediana. Se fosse do meu tamanho, melhor ainda, embora, pensando bem, ter namorada alta sempre ajuda na hora de pegar alguma coisa no armário da cozinha. Poderia até mesmo trazer algumas pequenas gorduras na cintura, característica da idade. Agora, Julia teria que ser uma intelectual. Não precisava ser uma intelectual como Simone Beauvoir, mas que pelo menos conhecesse Hannah Arendt. Quem sabe Julia seria uma professora de filosofia da USP. Ou quem sabe alguém doutora em filologia. Ou semiótica? Se falasse francês, então... Se Julia viesse da PUC, seria bom também, mas da Filosofia. Não gostaria muito que fosse da educação. Bobagem, eu aceitaria também.
Entrei no tal site recomendado por Abel e Pedro. Logo que se entra só aparecem as fotos escolhidas a dedo. Depois quando você procura, não localiza mais ninguém. Meu engano foi pensar que funcionaria meio parecido com meu tempo de criança no jardim da praça da cidadezinha do interior paulista. Os rapazes rodavam de um lado e as moças do outro.  Depois era uma piscadinha e pronto. Já desenrolava um namoro. Também pensei que poderia ser como no tempo das baladas quando assumi para o mundo minhas preferências. Ficava no barzinho só nas flechas. Quando acertava já rolava beijo. O mundo virtual é virtual mesmo. E eu me atirei de cabeça. Nem usei codinome. Para começar, separei três pessoas...

Arcos de Muitas Íris - O grande encontro com a vida

Na sinagoga todos vão orar. Na sinagoga da Bela Vista, ou do bairro do Bexiga, todos vão para se localizar. Na década de 50, na década de 60, na década de 70, na década de 80, na década de 90, todos vão à sinagoga para se encontrar. E no novo milênio? Ainda há quem busque a sinagoga para pecar?
Foi lá que me diplomei para a vida. Era um templo com santos e anjos. Havia a calçada. Havia os sonhos. E todos sonhavam. Lá era o reduto, o esconderijo aberto, o gueto iluminado, o palácio das revelações. Havia os mestres e os aprendizes. Comia-se pizza e tomava cerveja. Mas o coração batia em pulsação recorde. Será hoje que minha princesa descerá de sua carruagem e se dirigirá a mim para dizer que finalmente chegou o dia. O dia da revelação. O dia da consumação dos prazeres sonhados.
Durante o dia apenas mais um restaurante. Muita família em grandes mesas, muitas conversas, muitas crianças em choro. Mas quando o sol começava a se despedir, imediatamente, em um passo de mágica, tudo se movia. Mas os garçons eram sempre os mesmos. Nossos protetores, nossos amigos, nossos companheiros, nosso simulacro.
Conheci muita gente por lá: Anas, Beths, Sandras, Marias, Fátimas, Joãos, Josés, malabaristas, artistas, anônimos, ricos, pobres, sargentos do Exército da Salvação... Onde estão todos? A peça em cartaz era sempre a mesma. Mesmo tema, mesmo autor, mesmos atores. Quem sabe agora são celebridades, banqueiros, bancários, professores, doutores, padres-missionários e mendigos. Ou estarão em alguma poeira cósmica só assistindo a juventude que rompeu as cadenas e se pulverizou em toda a parte. Os guetos agora são mais nobres. São requintados. Talvez não haja nem a necessidade de se caminhar até os guetos. É só bater e entrar. Entrar para a vida de quem da vida só espera. Conecta-se com fio ou sem fio. Encontra-se o mundo. Ele está as suas mãos. Basta toca-lo. Quero amar alguém do Cazaquistão ou do Arpoador é só teclar. É só acessar. É só amar.
Tudo mudou. Os códigos são outros, as baladas são outras, os sons são outros, a linguagem é outra. O mundo parece que gira em outro sentido.
Mas, a Sinagoga ainda está lá. Do mesmo jeito e com sua mesma beleza, na esquina da Martinho de Carvalho com a Rua Avanhandava. As preces continuam. Todos oram todos os dias. A sua frente ainda resiste o nosso templo do pecado. Com seus fantasmas, com os mesmos garçons zumbis e com os meus sonhos gravitando ainda por lá...

Arcos de Muitas Íris - José

Descia sempre a Rangel pestana. Poderia ir de bonde, de ônibus ou a pé. Preferia sempre ir a pé. Estudar em colégio de estado era o máximo na época e aquele colégio era da fazer inveja para qualquer um. Assim, desfilar com os livros ostentando o brasão do colégio só não ganhava do orgulho de sustentar a bandeira em dia de desfile de fanfarra. Descia a grande avenida sorvendo aos poucos os rostos do pessoal que estudava de manhã. Mamãe insistia que eu devia arranjar um namorado. Assim, prestava atenção na rapaziada que deixava as aulas. Não posso negar que havia gente interessante. Olhava sempre. Mamãe continuava insistindo e já havia a cobrança das amigas sobre a tal história do namorado. Um dia me detive mais em um rapaz moreno, de sorriso ponta a ponta. Tinha uma pele bronzeada pela natureza. Era de pequena estatura, mas era belo. Seus cabelos estavam sempre voando ao vento da avenida e seus dentes eram caprichosamente brancos. Não havia dúvidas: José de Castro era lindo. Assim, passou a freqüentar meus sonhos, minhas conversas, minhas desculpas, meu imaginário. Descobri que era um artista. Artista moderno, sua arte ninguém entendia, era muito criticado, mas adorado por mim. Amei-o à traição. Quando em uma festa ele chegava ao mesmo círculo que eu estava, dava um jeito para sair fora. Tornar José de Castro real não fazia parte dos meus planos. A irmã da minha amiga mais próxima era amiga dele. Assim, minha amiga estava sempre tramando, como poderia acontecer o nosso encontro. Sempre consegui, com alguma dificuldade, escapar de todos os arranjos. Um dia papai me perguntou porque eu estava saindo tão cedo para a aula. Eu lhe disse que era para ver um rapaz, que era lindo, que tinha um sorriso lindo, que vestia um suéter vermelho. Papai não gostou. Disse-me que tinha dúvidas quanto a homens que se vestiam de vermelho.  Não entendi a observação de papai, e mamãe, que já contava para todos do meu interesse, zangou-se com ele pela observação inoportuna. Um dia José apareceu de perna engessada. Foi a notícia do mês. Ele ficou muito elegante com aquele gesso e todos me perguntavam quando que eu iria deixar uma recordação naquela vastidão branca, que ele ostentava na perna. As histórias eram as mais confusas possíveis. Cada um contava de um jeito como havia sido a queda. Algumas situações eram criadas somente para me provocarem ciúmes, outras eram bizarras, outras inverossímeis. Mamãe continuava insistindo na história do namorado. Quando eu o levaria para lanchar em casa, quando sairíamos juntos ao final de semana, quando, quando, quando. Depois do gesso veio uma bonita bengala que ostentou por um bom tempo. Ficou mais lindo ainda. Um verdadeiro artista. Aliás, artista foi Deus quando o criou. Por azar ou sorte, José desapareceu do colégio. Tive que arranjar substitutos, porque minha mãe continuava me cobrando. Agora já não era só ela: era minha irmã, meus vizinhos, meus parentes próximos e distantes, minha diretora do colégio, minha orientadora de curso, o padeiro, o sapateiro, enfim, todos aqueles que cruzavam a minha vida só sabiam perguntar: e seu namorado? Como ele se chama? Como ele é?  Consegui me livrar de todos. Quer dizer, penso que consegui. Até hoje em qualquer cadastro que preencho tem a pergunta sórdida: nome do cônjuge? Saio do armário, assumo todos os riscos, vou para a vida. Estava eu um dia descuidada em um templo noturno de encontros escusos quando encontro uma médica que estudara no colégio estadual. Era da turma da irmã da minha amiga mais próxima. Reconhecemo-nos e começamos a trocar recordações sobre que o havia sido feito de fulano, beltrano, fulanas e beltranas. Lista vai e lista vem quando de repente aparece o nome de José de Castro. Com toda a candura do mundo Cecília me disse: “Então você não sabe, meu bem. José foi o primeiro a se revelar. Casou-se há muito tempo com um escritor, mas de vez em quando você poderá encontra-lo pela noite. É fácil reconhece-lo. Ainda traz a bengala e o suéter vermelho”. Não fiquei muito surpresa, mas me lembrei de que papai tinha mais olho clínico que eu.

Arcos de Muitas Íris - Narrativa de uma saudade

  Zinha e eu estávamos convencidas. Depois de tantas decepções com nossos futuros colegas de apartamento, não haveria outra saída a não ser morarmos juntas. Ela chegou para mim e disse: "Olha, não deu certo com seu amigo e o meu nem começou a embalar a sua coleção de sapinhos para fazer a mudança. Acho melhor a gente juntar nossas coisas e dividirmos aquele apartamento que lhe falei, porque o aluguel já está vencendo." A gente nem se conhecia direito, mas Zinha me parecia uma pessoa confiável. Aliás, durante toda a minha vida pude constatar que ela além de confiável ela tinha o prazer de ajudar a todos. Cuidava da mãe, visitava os doentes, corria para auxiliar os irmãos e, acima de tudo, vivia em função dos amigos. Apesar de algumas manias anacrônicas nossas, no tempo que vivemos juntas nunca discutimos e soubemos dividir o espaço com tranqüilidade. Eu havia acabado de receber o diploma, o que significava não ter a menor idéia sobre nada. Sabia que queria viver. Por isso mesmo, vivia muito. Amava loucamente a todos e queria namorar o mundo. Zinha agüentou muita fofoca e me defendeu sempre. Nunca disse que eu era inocente, mas nunca me acusou de nada. Zinha adorava fazer supermercado. Eu odiava. Pela sua dedicação, eu decidi que pelo menos esse prazer eu poderia lhe dar. Assim, todas as segundas-feiras eu chegava correndo em casa, arrancava a fantasia e todas as máscaras e ia para minha via cruzes, acompanhá-la pelas alamedas do consumo. Um dia, ao fechar a porta do carro percebi ao meu lado dois olhos verdes inesquecíveis. O olhar era belo, o sorriso cheio de ternura, o rosto sem nenhuma marca. Olhei por um tempo que não sei dizer ao certo que tempo foi esse. Segui de longe todos os seus passos. Vestia uma calça jeans, daquelas já bem usadas, tênis e uma camisa xadrez vermelha - ou seria cor de rosa? Todos os seus movimentos eram naturais, um verdadeiro balé cadenciado. Meu coração ficou em festa. Aos poucos comecei ouvir a voz da Zinha que me pareceu muito longe e foi aumentando até chegar bem perto de mim e me devolver à terra. Quando acordei não vi mais meus olhos verdes, com duas covas próximas aos lábios. Lábios que delineavam a boca que eu já sonhava em beijar. Prevaleceu a voz da Zinha. Desapareceu meu sonho em segundos. Procurei-a por toda à parte: azeitonas, xampus, marmeladas, camembert, livros e discos. Tudo em vão! Miragem é miragem!
 Volto à minha vida de executiva iniciante. Uma longa fila serpenteava o subsolo do prédio principal da empresa pública para se ter acesso aos elevadores. Todos tinham que passar por um corredor estreito e esperar pelo menos uns quinze minutos. Todos, não. Havia exceções. Eram os deuses que desfilavam pelo Olimpo ostentando grandeza e força. Eram inatingíveis, intocáveis. Apenas desfilavam para que todos soubessem reconhecer seus donos e senhores. Tinham sempre um elevador privativo que os aguardava e o cabineiro sempre saudava os deuses dizendo: "bom dia doutor"... Nenhum era doutor, mas todos eram chamados como tal.  Um dia, como todos os dias, estando na tal fila, ousei olhar mais detidamente o desfilar dos deuses. Como por encanto, passa diante dos meus olhos a miragem do supermercado travestida de executiva chefe. Trazia muitos jornais embaixo do braço juntamente com uma pasta de couro marrom. O que era martírio passou a ser prazer. Voava de manhã para esperar a única deusa do desfile. Passava sempre com passos rápidos, olhando para um ponto no infinito. Jamais se detinha nos rostos dos escravos maltrapilhos e maltratados. Passava linda como a vi pela primeira vez. Verdadeira deusa e como deusa, inatingível. Uma vez minha deusa me telefonou de forma fria e distante. Falou firme e direto. É provável que eu não consegui realizar seu pedido pois não conseguia entender uma só palavra, tal a minha emoção. Coração saiu pela boca, pernas tremeram, suei frio, gaguejei e nada fiz e nada aconteceu. Deixei de morar com Zinha, amei muitos amores, minha deusa foi morar no exterior, voltou, transformou-se em minha amiga e hoje como sempre, após trinta anos, continua linda, inteligente, culta, mas uma  deusa, uma deusa inatingível....

Arcos de muitas Íris - Todos vão à casa de Oswaldo

 Existe um templo em Brasília. Há muitos templos em Brasília. Esse, entretanto, tem uma crença diferente. Ninguém sabe precisar ao certo a data de inauguração. Mas, todos conhecem. Estudantes, burocratas das repartições públicas, comerciários, diplomatas, políticos e seus filhos, militares e seus filhos, aposentados, cabeleireiros, costureiros, mascarados, enfim todas as tribos que têm suas tendas armadas na aldeia do planalto central. Ninguém sabe também explicar ao certo porque aquele local é divino. Todos têm histórias para contar de lá. Alguns já foram muito felizes, outros não conseguiram realizar seus sonhos e muitos ainda esperam ser felizes. Para alguns é o inferno, para outros o templo é o paraíso esperado, a terra prometida. Para ir até lá todos se vestem. Maquiam-se com esmero. Cada costura da roupa é preparada cuidadosamente. Estando lá, todos se despem, atiram ao longe a máscara e surge a vida. Ali tudo nasce outra vez. Tudo ressurge do chão, brota como a flor e espalha perfume e beleza para todos os cantos. O cerimonial da dança é rico em coreografias e a leveza dos passos traduz as mais belas esculturas já criadas. São deusas, são atletas de maratonas, são virgens com suas vestes castas. O templo já foi ambientado de diversas formas. Jamais saberei descrever qualquer uma delas. Como se um óculos tridimensional fosse distribuído na entrada, cada qual vê o que quer ver. Um céu azul com um arco íris pintado. O inferno de Dante. Um campo com a mais bela relva para se rolar. Um campo de concentração. Um purgatório. Uma nuvem que desliza graça ao sopro divino. Tudo é festa, tudo é dor. Todos são cúmplices. Os rostos são belos. Os rostos são tristes.  À luz da realidade ninguém conhece o templo. Todos se espantam quando alguém diz que naquela galeria existe um lugar proibido. Quando lúcido, ninguém sabe dizer ao certo qual é o endereço do pecado. Mas, quando o relógio marca vinte e três horas da sexta-feira, todos abrem a porta do coração e mergulham no rastro da vida, propondo-se ser feliz. São gerações e gerações formadas naquela academia. São almas que rondam os corredores estreitos lendo o livro da eternidade. Muitos retornam lá para se lembrar da ciranda da paixão. Eu também já tive meu cartão de ponto pendurado na chapeleta da fábrica de fantoches. Foram anos de dedicação. Fui feliz, sofri, desiludi-me. Nunca mais voltei. Mas, sempre que passo por lá, meu coração bate mais forte, as lembranças voltam em segundos, todos os personagens desfilam em meu olhar. Rezo, oro, clamo aos céus e peço que todos, no fundo, continuem freqüentando a casa de Oswaldo e encontrem seus pares e mergulhem na mesma felicidade que eu vivo agora.