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sexta-feira, 11 de março de 2011

Arcos de Muitas Íris - Narrativa de uma saudade

  Zinha e eu estávamos convencidas. Depois de tantas decepções com nossos futuros colegas de apartamento, não haveria outra saída a não ser morarmos juntas. Ela chegou para mim e disse: "Olha, não deu certo com seu amigo e o meu nem começou a embalar a sua coleção de sapinhos para fazer a mudança. Acho melhor a gente juntar nossas coisas e dividirmos aquele apartamento que lhe falei, porque o aluguel já está vencendo." A gente nem se conhecia direito, mas Zinha me parecia uma pessoa confiável. Aliás, durante toda a minha vida pude constatar que ela além de confiável ela tinha o prazer de ajudar a todos. Cuidava da mãe, visitava os doentes, corria para auxiliar os irmãos e, acima de tudo, vivia em função dos amigos. Apesar de algumas manias anacrônicas nossas, no tempo que vivemos juntas nunca discutimos e soubemos dividir o espaço com tranqüilidade. Eu havia acabado de receber o diploma, o que significava não ter a menor idéia sobre nada. Sabia que queria viver. Por isso mesmo, vivia muito. Amava loucamente a todos e queria namorar o mundo. Zinha agüentou muita fofoca e me defendeu sempre. Nunca disse que eu era inocente, mas nunca me acusou de nada. Zinha adorava fazer supermercado. Eu odiava. Pela sua dedicação, eu decidi que pelo menos esse prazer eu poderia lhe dar. Assim, todas as segundas-feiras eu chegava correndo em casa, arrancava a fantasia e todas as máscaras e ia para minha via cruzes, acompanhá-la pelas alamedas do consumo. Um dia, ao fechar a porta do carro percebi ao meu lado dois olhos verdes inesquecíveis. O olhar era belo, o sorriso cheio de ternura, o rosto sem nenhuma marca. Olhei por um tempo que não sei dizer ao certo que tempo foi esse. Segui de longe todos os seus passos. Vestia uma calça jeans, daquelas já bem usadas, tênis e uma camisa xadrez vermelha - ou seria cor de rosa? Todos os seus movimentos eram naturais, um verdadeiro balé cadenciado. Meu coração ficou em festa. Aos poucos comecei ouvir a voz da Zinha que me pareceu muito longe e foi aumentando até chegar bem perto de mim e me devolver à terra. Quando acordei não vi mais meus olhos verdes, com duas covas próximas aos lábios. Lábios que delineavam a boca que eu já sonhava em beijar. Prevaleceu a voz da Zinha. Desapareceu meu sonho em segundos. Procurei-a por toda à parte: azeitonas, xampus, marmeladas, camembert, livros e discos. Tudo em vão! Miragem é miragem!
 Volto à minha vida de executiva iniciante. Uma longa fila serpenteava o subsolo do prédio principal da empresa pública para se ter acesso aos elevadores. Todos tinham que passar por um corredor estreito e esperar pelo menos uns quinze minutos. Todos, não. Havia exceções. Eram os deuses que desfilavam pelo Olimpo ostentando grandeza e força. Eram inatingíveis, intocáveis. Apenas desfilavam para que todos soubessem reconhecer seus donos e senhores. Tinham sempre um elevador privativo que os aguardava e o cabineiro sempre saudava os deuses dizendo: "bom dia doutor"... Nenhum era doutor, mas todos eram chamados como tal.  Um dia, como todos os dias, estando na tal fila, ousei olhar mais detidamente o desfilar dos deuses. Como por encanto, passa diante dos meus olhos a miragem do supermercado travestida de executiva chefe. Trazia muitos jornais embaixo do braço juntamente com uma pasta de couro marrom. O que era martírio passou a ser prazer. Voava de manhã para esperar a única deusa do desfile. Passava sempre com passos rápidos, olhando para um ponto no infinito. Jamais se detinha nos rostos dos escravos maltrapilhos e maltratados. Passava linda como a vi pela primeira vez. Verdadeira deusa e como deusa, inatingível. Uma vez minha deusa me telefonou de forma fria e distante. Falou firme e direto. É provável que eu não consegui realizar seu pedido pois não conseguia entender uma só palavra, tal a minha emoção. Coração saiu pela boca, pernas tremeram, suei frio, gaguejei e nada fiz e nada aconteceu. Deixei de morar com Zinha, amei muitos amores, minha deusa foi morar no exterior, voltou, transformou-se em minha amiga e hoje como sempre, após trinta anos, continua linda, inteligente, culta, mas uma  deusa, uma deusa inatingível....

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