Doce Ariana |
Capítulo I
Não sei por que às vezes o barulho do mar é mais forte em relação ao barulho da onda anterior. Fico pensando se ele quer me dizer algo ou está bravo mesmo. Quero muito aprender sobre o mar. Estou tentando há um ano, desde o fatídico dia que a Fabiana me falou com voz certeira a palavra "acabou". Disse várias vezes para eu não ter dúvidas. Eu tentei discutir a relação, mas só vinha a palavra "acabou". Parecia criança quando aprende uma palavra. Uns dizem que eu fugi. Outros não dizem nada, mas o certo é que vim parar em um apartamento abandonado da minha família a beira do mar. É um local curioso. Durante 10 meses é uma cidade fantasma. Eu grito bem alto quando caminho a beira do mar e ninguém me escuta. Outro dia pensei ouvir a voz da Iemanjá me respondendo. Nos outros dois meses isto vira um vulcão furioso cuspindo gente de todas as idades, raça, credo, um verdadeiro final dos tempos. Não sobra nada nas lojas e mercados. Sobra muito coisa é no mar. Ele devolve tudo, não sei para quem. Ainda vou descobrir. Há muito tempo não morava sozinha. Muito tempo mesmo. Desde aquela fase de Rio de Janeiro que também foi dureza. Foram dois anos. Solidão total. Mas, daquela eu escapei. E dai tudo girou rapidamente, conheci Leila, signo de peixes, que foi uma paixão de derrubar avisos e placas. Como veio, partiu. Ficou uma louca amizade no lugar. Depois, aí sim, chegou Fabiana. Não parecia coisa para durar - durou e muito.
Tenho dois amigos que estão tentando me segurar desde aqueles dias que vivi morrendo de peninha de mim. Eles vieram me visitar e me disseram: "não, você não pode ficar assim tão sozinha. Tem que entrar em alguma rede virtual de relacionamentos". Eles fizeram questão de me enviar o link da comunidade que eles achavam muito segura. Obediente, entrei. Um verdadeiro aprendizado. Como se escolhe alguém para fazer amizade? Pela foto? São fotos verdadeiras? São pessoas reais? Minha dificuldade não é com a tecnologia. Em tempos de juventude fui programadora de computador de grande porte. Grande porte, não, imenso porte. Depois, passei por tudo, desde o início do pequeno porte até o minúsculo porte do Iphone. Estou chegando aos 60 anos. O que me assusta é o mundo virtual. Tento colocar que meus sonhos são virtuais também para me movimentar melhor nos refúgios cibernéticos. Nos meus sonhos o outro existe, mas não tão parecido com o real como no mundo virtual. Abstrair o outro é que é a minha dificuldade.
A pressão externa quando se termina um relacionamento é angustiante. Todos sabem de tudo e todos têm conselhos a dar. O cerne da questão da voz do povo é que eu tinha que arranjar uma namorada, seja lá quem fosse. O pior disso tudo, é que eu também comecei a acreditar nisso. Até meu amigo do planalto, o Caio, quando aparecia por aqui, dizia: "temos que desencalhar nossa amiga". Aí eu comecei a imaginar a minha namorada: seria Julia, sempre quis esse nome. Remetia a um filme que vi com Jane Fonda e Vanessa Redgrave. Não podia ser loira, queria um pouco mais para morena, assim com cabelos pretos e prateados. Prateados porque a minha Julia teria mais de 60 anos - sessenta e dois estavam de bom tamanho. Quanto à altura não tinha muitas exigências, podia ser alta, baixa, mediana. Se fosse do meu tamanho, melhor ainda, embora, pensando bem, ter namorada alta sempre ajuda na hora de pegar alguma coisa no armário da cozinha. Poderia até mesmo trazer algumas pequenas gorduras na cintura, característica da idade. Agora, Julia teria que ser uma intelectual. Não precisava ser uma intelectual como Simone Beauvoir, mas que pelo menos conhecesse Hannah Arendt. Quem sabe Julia seria uma professora de filosofia da USP. Ou quem sabe alguém doutora em filologia. Ou semiótica? Se falasse francês, então... Se Julia viesse da PUC, seria bom também, mas da Filosofia. Não gostaria muito que fosse da educação. Bobagem, eu aceitaria também.
Entrei no tal site recomendado por Abel e Pedro. Logo que se entra só aparecem as fotos escolhidas a dedo. Depois quando você procura, não localiza mais ninguém. Meu engano foi pensar que funcionaria meio parecido com meu tempo de criança no jardim da praça da cidadezinha do interior paulista. Os rapazes rodavam de um lado e as moças do outro. Depois era uma piscadinha e pronto. Já desenrolava um namoro. Também pensei que poderia ser como no tempo das baladas quando assumi para o mundo minhas preferências. Ficava no barzinho só nas flechas. Quando acertava já rolava beijo. O mundo virtual é virtual mesmo. E eu me atirei de cabeça. Nem usei codinome. Para começar, separei três pessoas...