Pesquisar este blog

sexta-feira, 11 de março de 2011

Arcos de Muitas Íris - José

Descia sempre a Rangel pestana. Poderia ir de bonde, de ônibus ou a pé. Preferia sempre ir a pé. Estudar em colégio de estado era o máximo na época e aquele colégio era da fazer inveja para qualquer um. Assim, desfilar com os livros ostentando o brasão do colégio só não ganhava do orgulho de sustentar a bandeira em dia de desfile de fanfarra. Descia a grande avenida sorvendo aos poucos os rostos do pessoal que estudava de manhã. Mamãe insistia que eu devia arranjar um namorado. Assim, prestava atenção na rapaziada que deixava as aulas. Não posso negar que havia gente interessante. Olhava sempre. Mamãe continuava insistindo e já havia a cobrança das amigas sobre a tal história do namorado. Um dia me detive mais em um rapaz moreno, de sorriso ponta a ponta. Tinha uma pele bronzeada pela natureza. Era de pequena estatura, mas era belo. Seus cabelos estavam sempre voando ao vento da avenida e seus dentes eram caprichosamente brancos. Não havia dúvidas: José de Castro era lindo. Assim, passou a freqüentar meus sonhos, minhas conversas, minhas desculpas, meu imaginário. Descobri que era um artista. Artista moderno, sua arte ninguém entendia, era muito criticado, mas adorado por mim. Amei-o à traição. Quando em uma festa ele chegava ao mesmo círculo que eu estava, dava um jeito para sair fora. Tornar José de Castro real não fazia parte dos meus planos. A irmã da minha amiga mais próxima era amiga dele. Assim, minha amiga estava sempre tramando, como poderia acontecer o nosso encontro. Sempre consegui, com alguma dificuldade, escapar de todos os arranjos. Um dia papai me perguntou porque eu estava saindo tão cedo para a aula. Eu lhe disse que era para ver um rapaz, que era lindo, que tinha um sorriso lindo, que vestia um suéter vermelho. Papai não gostou. Disse-me que tinha dúvidas quanto a homens que se vestiam de vermelho.  Não entendi a observação de papai, e mamãe, que já contava para todos do meu interesse, zangou-se com ele pela observação inoportuna. Um dia José apareceu de perna engessada. Foi a notícia do mês. Ele ficou muito elegante com aquele gesso e todos me perguntavam quando que eu iria deixar uma recordação naquela vastidão branca, que ele ostentava na perna. As histórias eram as mais confusas possíveis. Cada um contava de um jeito como havia sido a queda. Algumas situações eram criadas somente para me provocarem ciúmes, outras eram bizarras, outras inverossímeis. Mamãe continuava insistindo na história do namorado. Quando eu o levaria para lanchar em casa, quando sairíamos juntos ao final de semana, quando, quando, quando. Depois do gesso veio uma bonita bengala que ostentou por um bom tempo. Ficou mais lindo ainda. Um verdadeiro artista. Aliás, artista foi Deus quando o criou. Por azar ou sorte, José desapareceu do colégio. Tive que arranjar substitutos, porque minha mãe continuava me cobrando. Agora já não era só ela: era minha irmã, meus vizinhos, meus parentes próximos e distantes, minha diretora do colégio, minha orientadora de curso, o padeiro, o sapateiro, enfim, todos aqueles que cruzavam a minha vida só sabiam perguntar: e seu namorado? Como ele se chama? Como ele é?  Consegui me livrar de todos. Quer dizer, penso que consegui. Até hoje em qualquer cadastro que preencho tem a pergunta sórdida: nome do cônjuge? Saio do armário, assumo todos os riscos, vou para a vida. Estava eu um dia descuidada em um templo noturno de encontros escusos quando encontro uma médica que estudara no colégio estadual. Era da turma da irmã da minha amiga mais próxima. Reconhecemo-nos e começamos a trocar recordações sobre que o havia sido feito de fulano, beltrano, fulanas e beltranas. Lista vai e lista vem quando de repente aparece o nome de José de Castro. Com toda a candura do mundo Cecília me disse: “Então você não sabe, meu bem. José foi o primeiro a se revelar. Casou-se há muito tempo com um escritor, mas de vez em quando você poderá encontra-lo pela noite. É fácil reconhece-lo. Ainda traz a bengala e o suéter vermelho”. Não fiquei muito surpresa, mas me lembrei de que papai tinha mais olho clínico que eu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário